O mundo e as coisas ao redor. 

Como que descendo das estrelas; depois de percorrer nuvens e espaços, renteando todas as coisas e cumprindo a sua função de nunca parar; agora me chega e por mim passa, nesse instante... Algo de novo que o vento me mostra. Parado e contemplativo; na laje da casa onde moro, de braços abertos, alinho-me com o que o mundo me traz.

Olho para um ponto qualquer desse teto de mundo, azul – como alguma coisa de valor que me arrasta em lembranças – primaveras, talvez outonos; ou será algo que sonhei?

Ah! Nunca sei direito...

Minha alegria chega e se afasta, mostrando um canto escuro dentro da minha alma, sempre tão inadaptável.

Sem dúvida!

Esse não é o meu melhor motivo para sonhar.

Apenas eu e esse mesmo céu.

Junto e comigo, tudo o que sou.

Na atmosfera que funde a latitude desordenada dessa periferia; uma brisa passa, esbarrando nas coisas e nas casas de reboque inacabado, levantando com o seu bufar de vento ancestral, a pipa do garoto; que descalço dribla, os fios e os postes com a engenharia ordenada na malicia desenvolvida na favela. 

         Como a criatura que voa o menino aprende o caminho do vento, com a pipa e o barbante. 

         Olho eu para o vulto inominável que se delimita na cidade, todas essas casas reunidas, incorporando-se num composto de bagunça e amor.

         Com certeza, esse é o meu lugar. Aqui é onde a cidade me abriga.

         No leve farfalhar da rabiola na pipa que passa renteando meu campo de visão; animo-me com as cores de algum desenho estranho, que na pipa se destaca. O menino corre e se destaca no contexto da nossa rua. Outros tantos; a poucos metros, meninos também, se divertem chutando a bola de couro surrado contra a parede da casa vizinha. O barulho que eles fazem nesse jogo, me faz lembrar uma bagunça na alegria do carnaval. A seqüência de chutes ininterruptos; da bola na parede, se parece com batidas intercaladas no coração dessa comunidade.


 

               No leve farfalhar da rabiola na pipa que passa renteando meu campo de visão; animo-me com as cores de algum desenho estranho, que na pipa se destaca. O menino corre e se destaca no contexto da nossa rua. Outros tantos; a poucos metros, meninos também, se divertem chutando a bola de couro surrado contra a parede da casa vizinha. O barulho que eles fazem nesse jogo, me faz lembrar uma bagunça na alegria do carnaval. A seqüência de chutes ininterruptos; da bola na parede, se parece com batidas intercaladas no coração dessa comunidade.

É um som abafado e estrondoso:Tummm.

Depois, outro chute: Tummm.

E de repente: Tummm, tumm, tummm...

E assim, na poeira que levanta da rua ainda não asfaltada desse paraíso invertido, estão as nossas vidas, emaranhadas umas as outras, como se todos fossemos coadjuvantes da mesma história. Entre os vizinhos, conhecidos e parentes: nos formamos como podemos... Segundo as nossas aptidões, nos edificamos ou nos desfazemos, perante as exigências que o mundo nos traz. Como um eco do mundo ao redor, reagimos conforme as nossas possibilidades. Na estrutura dos valores que as nossas aptidões apresentam, temos o período de experiência... Como folhas ao vento vamos seguindo ao acaso, nesse tocante que são as nossas fraquezas.

Aprendemos do nosso jeito como abraçar o infinito.

Tudo que achamos certo e tudo que julgamos estar errado.

Minha juventude!

Escapes e compensações.

Num descuido, deixo o vento levar minha atenção, por um ou dois momentos... E penso: como é bom poder olhar para o céu!

Minha história nesse canto da cidade se funde com outras tantas desse bairro; que refletido em nós, mostra-se do que é feito. Nos tijolos que formam os muros dessa comunidade, um grito revela a verdade em meio ao que se pode ver:

“Caos”.

O paradoxo que esse nome corresponde, faz mais sentido a cada ano; ou seja, desordem ordenada.

Desordem por aqui é tudo aquilo que não se quer controlar, organizar ou administrar: como a escola sem aluno e sem professor; posto de saúde sem médico e sem remédio; bairro sem policiamento e também sem linha de ônibus.

Ordem por aqui é o comum acordo do bom senso consentido daquilo que não tem jeito... Tipo, assim: na viela onde foi encontrado um corpo, os traficantes continuam vendendo as suas pequenas dozes de suicídio. A polícia vem, retira o corpo e recebe a sua mesada para deixar acontecer o que não devia... E todos passam na viela de cabeça baixa... E tudo fica em ordem.

Mas o menino corre e se maravilha com a sua pipa em meio ao que não percebe; tendo ao fundo, como cenário, a paisagem da viela e seus proprietários:

Armas, álcool e suicídio.

Claro que o mundo esta mudando e as pessoas adquirindo mais conhecimento, mas nos nossos pequenos laboratórios da vida humana, ainda só funciona o instinto primitivo das coisas:

“Quem chora menos, pode mais”.

Nossa comunidade está vivendo a herança de uma lógica que talvez dure mais algum tempo:

“A lei do mais forte...”.

Tudo sempre depende da nossa educação, e do nosso interesse pelo que vale a pena.

...

O que vale a pena?

????

...

Neste contraste aparecem os muros coloridos de arte urbana, que a tinta do spray definiu, e entre o breu do asfalto e o azul do céu (anil imensidão), vem para quem presta atenção, um instante de boa paz... E agora, daqui de cima; posso entender que como o garoto, eu também estou aprendendo o caminho do vento: tento driblar os fios e os postes que me impedem de voar. Mas o que tenho de melhor são os meus instintos, ainda primitivos, que tento regular entre erros e acertos... 

         Miro na direção das árvores minha esperança, que é desperta pelas folhas e seus tons verdes; que ficam, em meio às casas e suas policromias irregulares.

           Mas, então... Essa é a regra de base que o novo mundo grita:


“Aprimoramento”.


O vento não pode mostrar a direção, a direção tem que ser  a educação.

O sopro leve do rufar da minha lágrima; no concreto da laje da minha casa, faz tremer o silêncio da ignorância que enfileira seus mortos nas mesas do necrotério do estado.


 

 Serena é a minha dor que não revela quem sou eu.

...

O que somos?

???

...

Raça, Pátria e Nação...

Qual é a nossa voz?

Serei eu como outros tantos?

O que todos nós ouvimos e não dizemos, nesta canção diária que é a nossa vida?

Na favela de Moçambique, há quem chora como eu?

Entre o esgoto aberto; que a ponte de madeira podre encobre, no beco sem asfalto de uma vila na Tailândia; tem quem olha para o céu em dias de chuva, que nem eu?

Esta claro que somos o mesmo caminho, eles lá e eu aqui. A minha identidade é tão confusa quanto à do índio moicano quando viu pela primeira vez a locomotiva a vapor.

Pensando bem...

O mundo que um dia foi e o mundo que um dia será: Agora o é.

O futuro chegou?

Lá fora, depois da ponte que separa realidades, esta o futuro guardado para brilhar para quem?

O vento responde:

“Para quem quiser ir lá pegar...”.

Ah...

Queria eu ser aquele que cuida das palavras que curam irmãos e pessoas, aquele que acalenta e consola – mas essa não seria a minha história – tenho na carne a marca da navalha que traz o largo filete vermelho da vida; que hoje eu sei o nome:

“Realidade”.

Tudo aquilo que eu quero e o que eu posso ser.

O caminho, meus pensamentos que levam.

Meus sonhos, meus desejos que fazem.

Se ao menos pudesse arrojar-me em silêncio e compreensão para melhor discernir o que de mim se esvai.

...

O que significa saber quem eu sou?

???

...

Mesmo assim...

A tranqüilidade de um fim de tarde não se emparelha com as aflições das minhas dúvidas. No horizonte onde o sol se debruça, aparece um tom que quase se desfaz num amarelo espectral (uma pintura de aquarela em tons leves.), colorindo os espaço e acalentando a penúria dessa hora; hora essa que agora traz, o fim do dia por entre os barracos e vielas desse meu lugar. O azul desse céu começa a encerrar-se por hoje, nesse crepúsculo reinante. De relance eu vejo o último vôo de um pardal urbano, atrasado para o seu recolhimento.

Talvez num segundo qualquer a brisa desse fim de tarde me traga algo de bom?

A ingenuidade é um dom que ainda não morreu em mim!

As luzes da quebrada começam a se acender. Percebo um gato sorrateiro iniciar a sua ronda noturna por entre os telhados. O som dos carros apressados na avenida ganha mais atenção, com o silêncio e o desespero da noite que espreita esse momento.

As promessas de um dia novo ficam para amanhã; primeiro sinto algo que me integra com as coisas; depois, afasto todo contato que possa me levar à realidade. Nostalgicamente eu vejo esse momento, talvez me lembre depois o que trouxe esse sentimento, mas não sei de onde vem essa saudade... Acho que sinto falta do que eu não conheço! Como sempre, me acompanha esse mesmo vazio que me completa. Meus pais me colocaram um nome que esta na bíblia, para melhor compreender o mundo; do pouco que sei de mim, profeta é o que não sou.

Na seguinte hora; na cidade, vira a dor.

Dispenso um pedaço de queixa que meus pensamentos ensaiam e procuro um resto de esperança, no silêncio que luta agora, contra o meu desejo de fuga.

Em pensamento me vejo como um guerreiro que corre desarmado contra o exército inimigo.

De peito aberto contra a metralhadora.

...

Dentro de mim, onde será que está o amor?

???

...

Imagino-me voltando alguns passos para trás, saio correndo e me jogo para a imensidão sem fim... Como quem salta para fora de si mesmo.

Acho que sou um pedaço de mundo: confuso e desabilitado.

Agora, habita nesse canto de mundo, o medo que o escuro traz.

De braços abertos e o peito a pulsar...

Penso:

“Eu estou vivo”.

Então:

Que venha a noite!

 

Make a Free Website with Yola.